Até o final de 2025, cinco Áreas de Proteção Ambiental (APAs) da Região Metropolitana de Curitiba (RMC) ganharão planos de manejo que estão sendo construídos de forma participativa entre moradores, prefeituras e instituições ambientais como Instituto Água e Terra (IAT) e a Agência de Assuntos Metropolitanos do Paraná (AMEP).
Conduzido pela consultoria Ecolibra, contratada da Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar) que capitaneia o processo, o desenvolvimento dos planos de manejo para cada uma das APAs é extremamente importante porque permitirá estabelecer o novo zoneamento e ocupação do solo de cada uma, o que consequentemente organizará a utilização dessas áreas e a conservação ambiental.
O objetivo de cada plano de manejo é fomentar o uso sustentável dos mananciais e do meio ambiente, estipulando como cada APA será ocupada buscando equilibrar a habitação, agricultura, comércio e indústrias. Após suas elaborações, os planos serão transformados em leis para que o uso sustentável e responsável dentro das áreas seja garantido. Ou seja, a partir deles os municípios poderão planejar seu desenvolvimento, suas áreas de ocupação e também atividades, contribuindo para os cuidados com os mananciais que, no caso da RMC, são fundamentais para o abastecimento público.
APAs presentes no Paraná
Totalizando mais de 57 mil hectares, as APAs estão localizadas na Bacia Hidrográfica do Rio Iguaçu e cerca de 87% da água do Sistema de Abastecimento Integrado de Curitiba (SAIC) vem dessas áreas, abastecendo mais de três milhões de pessoas. Elas estão divididas da seguinte forma:
- Almirante Tamandaré (APA Passaúna);
- Araucária (APAs Passaúna e Verde);
- Campo Largo (APAs Passaúna e Verde);
- Colombo (APA Iraí);
- Curitiba (APA Passaúna);
- Pinhais (APA Iraí);
- Piraquara (APAs Iraí e Piraquara);
- São José dos Pinhais (APA Pequeno);
- Quatro Barras (APA Iraí).
Com a estimativa do crescimento populacional apontando que, em 2040, a RMC chegue a 4,1 milhões de pessoas, o planejamento se faz fundamental para reorganizar a utilização dessas áreas e a conservação ambiental.
APAs em Campo Largo
Mais de 25% do território municipal é protegido por áreas de preservação ambiental. A APA do Rio Verde cobre 8,80% do território de Campo Largo, fazendo divisa com Araucária, e abastece cerca de 80% do município e também Balsa Nova. E a APA do Passaúna cobre 2,61% do território de Campo Largo, fazendo divisa com Araucária, Campo Magro, Almirante Tamandaré e Curitiba. Cuidar dessas áreas é garantir a preservação de matas, animais, rios e nascentes.
Construção conjunta
Oficinas de Planejamento Participativo (OPP) estão sendo realizadas pela consultoria Ecolibra, ao longo deste ano, cada vez em um dos municípios que estão dentro das APAs. Campo Largo recebeu três dias de OPPs (27, 28 e 29), no mês de agosto, no Centro de Eventos, para discutir especificamente sobre a APA do Rio Verde, e sua realização contou com grande adesão, especialmente de produtores rurais locais - uma média de 60 pessoas presentes por dia.
Pedro Cordeiro Neves, engenheiro florestal do IAT, explicou como tem sido essa colaboração: “Estamos desenvolvendo estas oficinas, um processo participativo que conta com representantes dos diversos setores, tanto do poder público quanto da sociedade civil. A intenção é que essas representatividades tragam contribuições sobre os diferentes aspectos que estamos discutindo, desde o planejamento urbanístico, questões ambientais, sociais, turísticas, entre outras. Como são diferentes atores, cada um traz a sua expertise para a construção desse plano de manejo, feito com diferentes mãos. É isso que traz um grande valor e significância ao trabalho que vem sendo feito”.
Silmeri Dallalibera, técnica em química na Sanepar, afirmou na ocasião que “o contato com as demandas dos atores, principalmente da sociedade civil, está sendo muito importante, porque a ocupação já é fato, as pessoas já estão ali faz 25 anos, já têm a sua vida, é uma demanda antiga e importante. É o interesse da Sanepar, mas é o interesse de todos que consomem água, que precisam da água até para a própria agricultura. Nas oficinas da APA do Rio Verde tivemos uma participação muito importante daqueles que conhecem o território. Eles têm que falar o que eles precisam, quais são as necessidades deles, porque é um uso em comum”. Ela lembrou ainda que o manancial dentro da APA do Rio Verde abastece Campo Largo mas, durante a estiagem que Curitiba passou poucos anos atrás, foi ela que abasteceu a capital. “Proteger os mananciais é uma responsabilidade de todo mundo”, acrescentou.
Quem fez coro nesse sentido foi Mateus da Rocha Amado, arquiteto urbanista da AMEP que estava nas OPPs em Campo Largo. “A gente entende que ouvir a comunidade que está morando no local é extremamente importante para entender as necessidades da região. É um desafio muito grande essa conciliação entre o desenvolvimento urbano e sustentável, com a manutenção da qualidade da água, e entender as necessidades da população é essencial para se pensar também no território, no que precisa ser atendido e quais são as necessidades que a população está passando. O pessoal foi bem detalhista aqui, o que é excelente”, disse.
Olhar de quem mora
Irene Kmiecik Jarek, moradora há 30 anos do Miqueleto, é produtora de grãos, feijão, soja e milho. Recentemente começou a produção de morango em cultivo elevado também e, voluntariamente, foi uma das participantes dos três dias da oficina, de olho no futuro. “Faço parte da região, perto da divisa, mas a minha área está 99% dentro da APA do Rio Verde. Então, querendo ou não, a gente acaba se envolvendo. Fui desde o primeiro dia, foi bem cansativo, eu não fazia ideia que era tão grande a nossa responsabilidade aqui e deixei de produzir para estar presente, mas debatemos as propostas das instituições e foi bom, proveitoso. É bom saber que tem pessoas pensando em nós. Chegamos sem saber como seria e agora torcemos para que acatem as nossas propostas também, para que realmente isso traga frutos. A gente quer continuar produzindo, continuar cuidando da água, continuar preservando, é o que o produtor faz de melhor”, pontuou.
As discussões para os planos de manejo tratam de medidas e ações para muitos anos, de médio e longo prazo, e portanto o volume de informação e de decisões a serem tomadas é grande. Sendo assim, a produtora de Campo Largo destacou ainda a oportunidade que tiveram de debater pontos polêmicos como, por exemplo, a proposta da Sanepar de retirada do uso de produtos como agrotóxicos com alta mobilidade no solo e alta toxicidade aquática - o que afeta diretamente a produção dos pequenos agricultores. “Nós produtores da RMC estamos conscientes da importância que temos para o futuro das APAs e queremos que as pessoas de Curitiba saibam disso, de onde vem a comida e o abastecimento deles. Pensamos na sustentabilidade do nosso negócio para que as próximas gerações não tenham que ir embora”, destacou emocionada.
Débora Gabardo Rigoni, agrônoma da Cooperlargo, ressaltou o papel da cooperativa como ponte entre o pequeno produtor e todo esse movimento, equilibrando informação técnica e respeito à vivência e história deles nas terras. São 138 cooperados, mas estendendo o alcance para suas famílias, significa muita gente. “Em Campo Largo tem uma massa bem grande de produtores, e com o apoio da Prefeitura eles participaram. Do jeito deles estão entendendo a dimensão, se posicionaram e isso é bem importante. Fazemos a parte técnica de filtrar, comunicar e orientar com receituário agronômico, boas práticas, de forma simples o que está sendo discutido, para que eles não fiquem muito distantes, afinal são decisões que interferem na vida deles. Vamos dizer que está sendo decidido nas OPPs um negócio para daqui 20 anos, ou seja, não é só eles, afeta seus filhos, netos. E temos produtores inseridos tanto na APA do Rio Verde quanto na do Passaúna”.
Depois das OPPs em Campo Largo foi a vez de Campo Magro receber Oficinas de Planejamento Participativo, sobre a APA do Passaúna. Elas foram realizadas nos dias 10, 11 e 12 de setembro. Entre uma e outra a Prefeitura de Campo Largo realizou uma audiência pública para apresentar sugestões e convidar a população.
Entenda todo o trabalho
A equipe responsável pela condução desse processo é da consultoria Ecolibra e tem a responsabilidade de construir o plano de manejo das APAs. Este trabalho, na verdade, começou em 2024 com um plano que estruturou os passos e fases a seguir. Então foi feito o diagnóstico - entendimento do meio físico, biótico, socioeconômico, todo um levantamento de como são as APAs hoje em dia. Ainda no ano passado aconteceram duas oficinas e, depois, foi desenvolvido outro levantamento sobre o uso do solo e zoneamento, temas trabalhados nas OPPs de 2025 junto com componentes normativos. Ou seja, cada etapa prepara a próxima e a última - que deve acontecer até o fim deste ano - será a apresentação dos planos para serem construídos, para validação da população. Depois toda essa grande construção será inserida no plano de manejo final, previsto para 2026.
Itamê Baptista, consultora ambiental e coordenadora da Ecolibra, explica que este momento é muito trabalhoso porque “estamos criando esse plano sem referências anteriores e com 25 anos de atraso. Depois que as APAs foram instituídas elas deveriam ter o plano, mas não foi assim. Então estamos elaborando o plano agora e o ideal é que, na sequência, ele seja revisto a cada cinco anos, atualizado, revisado. Não será preciso fazer um plano novo, mas sim verificar se esse plano estará compatível com a realidade, um aperfeiçoamento ao longo dos anos”.
Participação de municípios vizinhos
Tiago Faria, fiscal ambiental da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental de Campo Magro, comentou que a discussão também está movimentando o município vizinho. “Há alguns agricultores de Campo Magro participando, trazendo os interesses da população, mas com essa visão do ambiente rural. Há uma importância, bem como uma dificuldade, de trazer a parte técnica para a população, e na verdade a única maneira é a própria população querer isso, eles têm que estar junto. Acredito que, para passar esse conhecimento, é impossível fazer a curto prazo, precisa direcionar para que as próximas gerações tenham uma visão mais técnica, principalmente sobre o meio ambiente, para eles mesmos terem essa percepção naturalmente”, apontou.
Também esteve presente Gustavo Silvestrin, servidor da Secretaria de Governo de Araucária, que lembrou o quanto as discussões giram em torno da qualidade de vida. “Com essas crises hídricas e mudanças climáticas, cada vez o suprimento de água vai ser mais afetado. As discussões e os direcionamentos que forem dados com esse plano vão se prolongar por muito tempo e, com o plano de manejo sendo revisto a cada cinco anos, dependendo do que a gente não fizer hoje, vai parecer uma eternidade. Temos que ter um cuidado extremo, tentar ter uma visão panorâmica de tudo que envolve e impacta as APAs - não somente sobre a água, mas sobre a produção do alimento que está na nossa mesa no dia a dia -, para que esses cinco anos não tenham um peso enorme por coisas que a gente não tenha lembrado e tratado nessas oficinas. Não pode escapar agora para não prejudicar o futuro”.
Próximos passos
Finalizadasas OPPs, a consultoria contratada reunirá as informações oriundas das oficinas - sugestões passadas pela sociedade civil e por outros órgãos - para analisar e verificar, junto com o Grupo Interinstitucional (GIT) formado pela AMEP, IAT e Sanepar, o que poderá ser incorporado na versão final do plano de manejo. Normalmente, explica a consultora ambiental, são dois encartes: um com o diagnóstico mais denso e técnico, e outro de planejamento, com as normas e o zoneamento, mais focado nas questões discutidas nas oficinas e com todos os atores envolvidos. A intenção é que este plano seja um decreto estadual, ou uma portaria do IAT.